segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Acidente de trabalho!!! (2ª parte)


Dentro do ônibus já a caminho começo a pensar sobre o ocorrido. Justamente no final do expediente de trabalho, já era umas 11h30min, de uma sexta-feira. Porque comigo? E logo eu que não tenho o costume de querer ser rápido, nem de acelerar muito a máquina. Nessa parte começo a sentir um pouco de dor, novamente sinto aquele frio na barriga, afinal pode ter sido sério, pode haver algum objeto estranho dentro de mim!

Nessa parte minha experiência passa de um momento de dor e medo, para um outro de indignação. Como disse acima, já era final de expediente, e quando cheguei à empresa o médico já estava de saída, ao me ver dá apenas uma olhadela no ferimento, todo sujo, cheio de sangue, não dava para ver nada, e diz que não foi grave apenas superficial. A enfermeira me manda tomar um banho e voltar para um curativo. Ao retornar após o banho o discurso já muda, a enfermeira que havia concordado com o médico agora diz que será necessário levar pontos.

Para concluir a história, foi aberta uma CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho) e consultei no Hospital Florianópolis onde me foi dado sábado, domingo e segunda-feira de folga (convém lembrar que final de semana não se trabalha). E com relação ao ferimento nada de grave, não havia pedaços de ferro nem outras complicações.

Todo esse ocorrido me abriu ainda mais a visão do que é realmente ser um roçador, em vários momentos pensei em pedir demissão em não querer mais passar risco semelhante. Mas preciso do dinheiro e o horário de trabalho é excelente para estudar.

Acho que uma experiência dessa deixa a pessoa mais forte, também mais cuidadosa, mas mais do que isso me deixou consciente do real perigo de ser um roçador e uma bela cicatriz.

Acidente de trabalho!!! (1ª parte)


Certas coisas parecem tão distantes da gente que por mais que escutemos histórias sobre elas nunca estamos preparados quando elas realmente acontecem. Nesta sexta-feira eu sofri um acidente de trabalho! O susto, o medo, o sangue, a vulnerabilidade perante uma situação que todos os roçadores correm perigo.

Um tranco na lâmina e um impacto como de um soco, que me deixa sem ar por alguns instantes, em seguida a constatação de rasgos no meu uniforme que vão se avermelhando com o meu próprio sangue. Um tremendo frio na barriga, me ajoelho no local buscando ar, desligo a máquina. Com medo subo um pouco minha camisa e constato o ferimento do lado direito de meu abdome já com certo volume de sangue, não sinto a dor do corte, apenas uma forte pulsação, não sei se de nervosismo ou se devido ao corte. Parece sério, não sei, está cheio de sangue, não deve ser nada, ou será que algum pedaço de ferro ainda está lá dentro.

Após esses meus sentimentos meus colegas chegam para me ajudar, me carregam para outro lugar, em meio a brincadeiras, ninguém sabe realmente se foi sério ou não. Impactos e pequenos cortes são frequentes no dia-a-dia do trabalho, mas esse era um pouco mais sério que de costume.

O encarregado chega e vê o que se passou, preocupado me manda no mesmo momento para o ônibus e diz para o motorista me levar para a empresa, para o setor médico... (continua)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Uma "dança"


Parece muito simples trabalhar com uma roçadeira, aparentemente basta saber ligar a máquina e saber apertar um gatilho. Mas nem tão simples assim se configura o ato de roçar. Estou falando propriamente de saber, de ter os conhecimentos necessários da correta utilização e manuseio de uma máquina que pode muito bem se transformar em arma letal. Afinal usamos lâminas muitíssimo afiadas, que giram em alta velocidade, decepar um membro não seria difícil com tamanha força destrutiva. As roçadeiras que trabalhamos são extremamente poderosas e perigosas.

Cada roçador tem seu estilo particular de roçagem, suas manias, suas preferências, cada roçadeira é exclusiva e sendo assim seu ajuste também é igualmente exclusivo com os gostos do roçador que a utiliza. Uns roçam mais rápido, porém com uma amplitude do movimento menor, outros são mais cuidadosos e investem num acabamento mais refinado. Porém a palavra que melhor pode definir essa relação entre roçador e sua máquina no serviço diário é "dança".

Roçar pra mim se configura numa espécie de "dança", um vai-e-vem sincronizado onde seus passos são milimetricamente movimentados seguindo as necessidades do corte, junto na medida certa da aceleração do motor. Essa dança que só é interrompida por dois grandes inimigos do ato de roçar: pedras e pedaço de metal. Um pequeno ferro pode causar tamanho estrago na sincronia dessa "dança", fazendo com que sejam lançando estilhaços perigosos para várias direções. Mas com o devido cuidado esse tipo de risco pode ser minimizado, uma vez que a dança nunca pode parar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Via - Expressa


Toda profissão tem aqueles momentos mais difíceis, aquelas atividades que sempre são as mais custosas de se fazer, aquelas que você sempre torce para demorar o máximo possível para ter de fazê-las. Mas você sabe que um dia ela terá de ser feita, um dia ela chegará. Na vida de roçador essa parte dolorosa do trabalho se chama Via - Expressa.

Basicamente a Via - Expressa que me refiro é a principal via de acesso a cidade. Até aí tudo bem, a questão é que ao redor dessa estrada, nas laterais das pistas é só mato, e não é segredo pra ninguém que cortar mato é justamente a nossa função.

Esse serviço se transforma no mais difícil da vida de roçador no momento em que ela sintetiza quase todos os piores ambientes de trabalho existentes, isso quer dizer que ela é composta de: 1)mato pesado; 2)barrancos íngremes para roçar; 3)carros em alta velocidade; 4)valas de esgoto; 5)perto da empresa (isso significa que rapidamente chegamos lá); 6)céu aberto, ou seja, muito sol na cabeça; 7) e o pior, pedras e ferros escondidos no mato. Num dia de verão com sol forte e pouco vento, trabalhar com a máquina subindo e descendo aqueles barrancos não é nada fácil, é impossível sair de lá sem estar ensopado de suor.
Existem mais ambientes ruins, mais poucos com tanta coisa ruim junto.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Classe consciente, classe lutadora


Muitas pessoas imaginam que os trabalhadores da limpeza pública são pessoas de baixo nível intelectual, higiênico, e moral. Talvez antes de começar a minha história como roçador eu também pensasse assim, é difícil desvincular de nossas idéias esse estereótipo que permeia toda a sociedade.

Porém muito se engana quem assim pensa, muito distante da realidade essa idéia de inferioridade está. Lógico que nem todos podem ser desvinculados dessa idéia, efetivamente alguns membros do grupo podem ser enquadrados no estereótipo acima citado, porém convém lembrar que em qualquer classe trabalhadora existem pessoas que a representem de maneira negativa: existem médicos estupradores, advogados enganadores, engenheiros de fachada, todos dando maus exemplos de suas respectivas áreas profissionais, mas nem por isso esses indivíduos representam a grande maioria de seus colegas de profissão.

Hoje houve uma assembléia da classe trabalhadora e sempre nessas assembléias fico atento aos discursos, aos temas abordados, mas principalmente aos indivíduos. É incrível como sempre me surpreendo com a inteligência e a perspicácia dos trabalhadores, como certas pessoas sem instrução acadêmica, sem cursos de oratória, sem o que comumente se acha necessário para pronunciar-se diante de um grupo, consegue a sua maneira construir um discurso permeado pelas suas experiências e pelas suas observações cotidianas, que sem a menor dúvida deixaria qualquer orador de "boca aberta". E mais do que falar bem, mostra em seu discurso total coerência, demonstra através de palavras simples um total engajamento na luta por melhores condições. Claro que nem todos têm esse grau de entendimento, talvez menos do que eu gostaria que fosse.
Mas dentro de minhas observações o mais interessante é a idade dos trabalhadores conscientes, me parece que a minha geração é mais acomodada, mais complacente com a realidade. Talvez somente com a experiência adquirida com os anos essa nova geração irá se engajar nessa luta. Pelo menos é o que eu espero... ou em que me forço a acreditar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um dia após o outro...


A função de roçador funciona como qualquer outra, como qualquer ramo de atividade remunerada que existe. Há uma necessidade, que no caso é limpar o mato de ruas, estradas, praças e terrenos (prefeitura), e essa função é exercida por mim e meus colegas mediante o pagamento de um salário. Em larga escala todo trabalho funciona basicamente dessa maneira.

E assim como todo trabalho, existem dias em que você acorda com uma disposição sem limites, parece que nada poderá te cansar. E em contrapartida no dia seguinte não queremos nem levantar da cama, passamos o dia todo nos arrastando. Esses dois momentos podem muito bem representar o que foi ontem e hoje para mim.

O mais interessante é que ontem estava quente, com um sol aberto, forte, tivemos de subir uma rua íngreme, o mato era um tanto quanto pesado, não muito, mas também não era uma grama. E no final do expediente eu estava novinho em folha, parecia que nem havia caminhado carregando uma máquina pesada por mais de cinco horas debaixo de sol. Em compensação hoje tudo foi difícil, desde acordar de manhã até guardar a máquina devolta ao reboque.

É como meus companheiros falam "É, não é fácil!" Mas a gente vai levando , assim mesmo, como todo trabalhador, com dias bons e dias ruins, um dia após o outro...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Segunda - Dia de folga!


Pode parecer um pouco estranho o título desta postagem "Segunda - Dia de folga", mas na vida de um roçador existem dois tipos de folga: 1º a folga convencional, ou seja, aquela que acontece nos finais de semana e feriados, dias que não temos qualquer ligação com o trabalho, dias para fazer o que quiser; 2º a folga da máquina (roçadeira), essa folga consiste basicamente num dia em que não se roça, ao invés disso sua função é ciscar o mato cortado pelos seus companheiros em pequenos montes.

Na verdade essa função de ciscar é algo mais simbólico. O que a pessoa que está de folga realmente faz é tentar ficar o máximo possível sem trabalhar muito, ou melhor, pelo menos tenta fazer isso. O serviço de roçagem cansa, e esses dias de descanso devem ser aproveitados ao máximo.

Os melhores dias para se folgar são a Quinta e a Sexta. São os últimos dias da semana (de trabalho) e uma folga nesses dias significa um descanso após três ou quatro dias de roçagem, e junto disso, uma sensação de proximidade do final de semana.

Não folguei nos melhores dias. Mas uma folga, é uma folga, nunca temos certeza de que amanhã a teremos, portanto não é aconselhável negar, qualquer que seja o dia.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Um vidro de carro a menos na terra


É interessante, nunca fazemos idéia do que de novo irá ocorrer em nosso dia. As vezes passamos semanas sem ao menos constatar nada de diferente na nossa rotina diária, não que todo dia seja idêntico ao outro, mas me refiro a situações que estréiam em nossas vidas e que se fazem perceber, ou melhor, que percebemos.

Hoje uma dessas coisas aconteceu comigo. Não é nada muito extraordinário, nem tão pouco exclusivo, na verdade é uma cituação que quase chega ao ponto de ser rotineira na vida de um roçador, mas que nunca havia acontecido comigo nesses um ano e quatro meses de trabalho.

Hoje eu quebrei um vidro de um carro. Foi tranquilo, a condutora do veículo não foi mal educada (o que de vez em quando acontece), não houve nada mais sério, ela parou o carro, foi chamado o encarregado (meu chefe), ele preencheu uma ficha do ocorrido e todo o dano será pago pela empresa.

Uma situação que não causou nenhum alarme, nenhum alarido. Uma ocorrência que provavelmente já veio a acontecer com a maioria de meus colegas de trabalho, mas que nunca acontecera antes comigo.

O mais interessante é que apesar dessa insignificância do fato, ele de alguma maneira me afetou, fiquei com medo de quebrar outro vidro, e em consequência disso tentei roçar o mínimo possível no restante do trabalho. Espero que tenha sido meu primeiro e último vidro quebrado (provavelmente não será).

Mas tirando esse acontecimento, não tenho do que reclamar da minha manhã de trabalho, afinal hoje é uma sexta-feira, e o retorno ao batente só ocorrerá daqui a dois dias.
Merecido descanso!

Minha Vida de Roçador - início


Há tempos que venho tendo vontade de me expressar, vontade de com a ajuda de alguma ferramenta exprimir e compartilhar minhas experiências atualmente vividas.

Sentia uma espécie de aflição por ter inúmeras situações vivenciadas que de algum modo podem e devem ser registradas. Se irá despertar interesse de alguém já é outra questão, mas o mais importante com o ínicio deste blog é justamente registrar, talvez somente para mim mesmo, uma parte da minha vida que tenho certeza deixará para sempre suas marcas incrustadas dentro de meu ser.

Minha Vida de Roçador não pretende ser nada além do que o título sugere. É apenas um "diário" que terá registrado certos acontecimentos que de alguma forma podem refletir essa jornada diária na vida de um trabalhador comum.


Meu nome é Cláudio e eu sou um roçador.