terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dias de chuva


A maioria das pessoas não gosta de dias de chuva, acham um dia chato, tedioso, de difícil locomoção, um dia incômodo. Mas na vida de um roçador a coisa que ele mais gosta é justamente um dia de chuva, não estou falando dessas chuvinhas que vai-e-vem, estou me referindo aquele pé d'água que dura pelos menos todo o período de trabalho. Pode parecer estranho o que estou dizendo, mas existe um fato que faz toda a diferença para essa nossa preferência pela chuva, simplesmente por que não se trabalha debaixo de chuva.

A regra é essa "na chuva não se trabalha", não sei bem ao certo o por que mas imagino que tenha a ver com a roçadeira não poder molhar e também com o fato de ser difícil ver algo com a viseira debaixo de chuva. Mas independente do motivo, choveu parou, ou então nem começa. Talvez possa até parecer uma vida boa essa vida de roçador que não trabalha na chuva, mas lembre-se há muito mais dias de sol do que de chuva. Nunca calculei uma média, mas imagino que a cada semestre nós ficamos uns quatro a cinco dias parados por causa da chuva, ou seja, são poucos.

Eu vejo esses dias de chuva como um presente divino, é como se Deus estivesse ele mesmo, nos dando uma folguinha, um dia para relaxar, dormir, jogar um dominó, ler, escutar música e bater um papo com os companheiros. Às vezes acontece de chover dois, até três dias direto e nesse momento começa a ficar um pouco chato essa coisa de não trabalhar, começa a dar uma espécie de saudade da função. É como se essa folga estivesse passando do ponto e o tédio de ficar parado seis horas começa a ficar mais forte.

Nesses meus quase dois anos de roçador nunca aconteceu de durar mais de três dias seguidos de chuva, e assim que o sol volta a brilhar, o zumbido da roçadeira também volta a soar, e logo-logo já estaremos ansiosos aguardando outro dia de chuva.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EPI


Se você não for da área de segurança de trabalho ou então alguém que trabalhe com EPIs muito provavelmente não deve fazer idéia do que se trata. EPI significa "Equipamentos de Proteção Individual", ou seja, são equipamentos essenciais para a segurança do trabalhador que exerce alguma atividade de risco, eles servem para proteger partes mais expostas, evitando acidentes cotidianos.

Na atividade de roçagem os equipamentos básicos/obrigatórios e portanto fornecidos pela empresa são: caneleira, viseira, protetor auricular e protetor solar. Além desses considerados obrigatórios existem alguns roçadores que também utilizam o avental, óculos próprio para trabalhar com roçadeira e luvas.

Basicamente as caneleiras servem para proteger as canelas de objetos lançados pela forte rotação seja do nylon, seja da navalha, a mais utilizada é feita de um tipo de courino, mas também existe uma mais antiga feita de fibra. Vez por outra eu sinto impactos de pedras ou então retiro pedaços de ferro fincados, e nessas horas eu vejo sua importância. A viseira apesar de ser muito hostilizada pela incomoda sensação de abafado é o EPI que considero mais importante pois protege o rosto e principalmente os olhos de qualquer objeto, são muitas as histórias de pessoas que perderam a visão trabalhando sem ela. O protetor auricular protege do ruído da máquina, já o protetor solar creio que todo mundo conhece, ele é essencial uma vez que nosso trabalho se dá ao ar livre, debaixo de muito sol. O avental serve mais para evitar sujar muito o uniforme, não protege muito pois é apenas uma lona fininha, na minha opinião ele serve mais para aumentar a sensação de calor. Os óculos são mais utilizados por aqueles que não gostam de usar a viseira, mas sabem do perigo de roçar sem nenhuma proteção nos olhos. As luvas são feitas de tecido e têm bolinhas de borracha na parte interna, são excelentes para trabalhos manuais, evitam calos, protegem de pedras e do contato direto com qualquer material. (O óculos e as luvas não são fornecidas pela empresa.)

Tento sempre checar as condições dos meus equipamentos e trocar quando necessário. Dos EPIs mencionados o único que não faço uso são os óculos, isso porque eu sempre utilizo a viseira.

Munidos de todos esses equipamentos estamos como verdadeiros cavaleiros de armadura, prontos para a guerra cotidiana contra o mato.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Roçadores equilibristas - Barrancos


Já mencionei outras vezes sobre a árdua tarefa de roçar num barranco. Mas já que esse fato significa um momento marcante da vida de um roçador ele merece uma abordagem mais específica.

Imaginem ter de carregar uma máquina de pelo menos uns sete quilos durante umas quatro, cinco horas debaixo de sol. Imaginem ainda que essa máquina faça um tremendo barulho, bem alto e contínuo. E além de barulho ela tenha uma lâmina afiada que quando se encosta em algo ela lhe dê um tranco fazendo com que perca o equilíbrio. Agora imaginem tudo isso com você estando numa área inclinada com três a cinco metros de altura (mais às vezes) tendo de se equilibrar e ainda por cima se movimentando.

Isso é extremamente difícil, eu estou trabalhando como roçador já faz mais de um ano e quando temos de roçar certos barrancos eu sempre me atrapalho todo. Escorrego, me desequilibro, não corto direito; outros companheiros tem uma tremenda prática e se movimentam num barranco com extrema facilidade. Alguns por outro lado mesmo tendo anos de experiência fazem de tudo para escapar de roçar nos barrancos.

Num dia de serviço numa rua ou em algum terreno plano a regra é de sempre manter uma boa distância entre os roçadores, cerca de uns vinte metros de cada um. Porém quando se trata de um barranco de difícil roçagem a coisa muda um pouco. Como esses locais são de difícil locomoção seria desumano deixar vinte metros de barranco para apenas um homem, por isso num barranco essa distância diminui consideravelmente. É muita falta de companheirismo deixar um colega seu se desgastando sozinho.

Roçar me ensinou muito sobre companheirismo, sobre ajudar os outros, sobre união. Qualidades essas que fazem um bom roçador, no barranco ou fora dele.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Visões do paraíso


Apesar dos perigos, problemas e do cansaço enfrentados no dia-a-dia, existe um lado da vida de roçador que eu considero um grande privilégio. Poucas são as profissões que possibilitam o que cortar o mato por toda essa cidade proporciona. Nós roçadores temos diariamente um ponto de vista da cidade que poucos têm, uma vez que trabalhamos muitas vezes em lugares que poucas pessoas frequentam, temos o privilégio de admirar visuais belíssimos dessa linda cidade.

Muitas vezes quando estou trabalhando em uma área acabo sem perceber, me concentrando tanto no serviço que me esqueço de dar uma olhada na paisagem ao meu redor, o ato de roçar requer certa concentração mas em momentos de descanso, ao parar um pouco a máquina, eu vejo lindas paisagens: montanhas verdes emolduradas com o céu azul, um imenso mar esmeralda, um céu arrebatador com espessas nuvens intimidantes, isso sem contar as lagoas, praias, cachoeiras, trilhas uma mais linda que a outra. Até mesmo em dias que o tempo não está ensolarado posso ver o quanto é bela nossa cidade e como a natureza nela nos mostra toda a sua exuberância.

Com esses pontos de visão incomuns pude ver paisagens que apesar da aparente falta de importância são tão lindas quanto qualquer cartão postal mais conhecido. Mas no fim acho que desse jeito é melhor, afinal esses locais ficam apenas para nós, os privilegiados roçadores.