quarta-feira, 28 de abril de 2010

Micro Ônibus 509



A principal utilidade designada a um ônibus é certamente o transporte, seja de pessoas ou de objetos, ele deveria servir meramente como um meio de transporte, algo que "leve daqui pra lá", ou "de lá pra cá". Porém nessa minha experiência como roçador posso garantir que, pelo menos em nosso caso, essa relação de utilidade com o nosso transporte tem outros parâmetros à serem medidos.

Nossa cidade apesar de não ser uma grande metrópole, se estende por aproximadamente 433km², ou seja, uma distância considerável. Sem o auxílio de um transporte seria impossível combater o mato de maneira eficiente, e é aí que entra em cena o nosso Micro Ônibus 509, que acoplado de um reboque e "pilotado" por um motorista, nos leva por toda a extensão dessa ilha e continente.

Mas como foi dito no início, nosso ônibus têm outras utilidades, uma delas é o conforto proporcionado por suas poltronas encapadas com um tipo de courino, transformando-a em um excelente descanso depois de uma manhã de trabalho extenuante. Não é raro na viagem de volta alguns colegas, inclusive eu, cochilarem ali sentados. É onde também deixamos nossas mochilas e bolsas, contendo nossos pertences e nosso café.

Nos dias de chuva ele se torna nossa fortaleza impenetrável, é ali que nos mantemos secos e protegidos da chuva e do vento, e onde, em decorrência da chuva, podemos bater um papo, discutindo política, futebol, rumos da empresa, e também jogar um dominó, ler e ouvir música. Nos intervalos do trabalho ele se torna refeitório, um lugar onde podemos fazer nosso lanche de maneira sossegada e onde damos uma descansada da máquina.

Pode até parecer exagero mais o nosso ônibus funciona como um segundo lar, nele passamos uma grande parte do nosso dia, e como ninguém gosta de uma casa suja temos extrema preocupação com a limpeza e organização, afinal o ônibus acaba se configurando uma ferramenta de trabalho, e quanto melhor cuidada melhor será o seu funcionamento e consequentemente melhor será a execução do trabalho. Sujar o ônibus é fácil, trabalhamos cortando mato, e entrar sujo de capim, ou então, com os pés cheios de terra acaba ocasionando leves broncas. Como toque final do ônibus ele tem seus corredores e sua entrada forrada com carpetes, encontrados por nós mesmos, o que gera mais ainda essa sensação de conforto dos que nele transitam indo e vindo da sede da empresa, em nossa labuta diária.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Direto da Cidade"



Muitas vezes quando andamos pelas ruas e nos deparamos com diversos tipos de plantas: árvores, arbustos, trepadeiras, etc, nem passa pelos nossos pensamentos que nem sempre o que está plantado na rua, em áreas verdes, praças e mesmo terrenos sem nada, sejam plantas de frutos deliciosos e desconhecidos pela maioria das pessoas. Trabalhar como roçador fez com que me aproxima-se em demasiado desse tipo de conhecimento sobre as plantas. Muitos de meus companheiros mais velhos conhecem frutas que nem sequer passava pela minha cabeça serem comestíveis. Sem contar outros tipos de ervas que podem ser utilizadas na cura de inúmeras enfermidades.

Numa rápida lista de frutas desconhecidas poderia citar: gramichama/grumichumi, angá/ingá, morango-silvestre/ morango-do-mato, amêndoa, cabeludinha/amarelinha, araçá, gabiroba/guabiroba, butiá, ticum/tucum, siriguela, garrafinha, pepino-do-mato e maracujá-roxo. Devido às diferentes nomenclaturas encontradas, achei melhor apresentar ambos os nomes apresentados à mim.

Essas frutas acabam não sendo conhecidas pela maioria das pessoas, que consomem apenas o que compram em feiras ou então em Diretos do Campo, porém eu confirmo e garanto que todas têm seu sabor e características únicas, que todas as frutas citadas foram encontradas nas áreas do expediente de serviço e que foram saboreadas por mim, as vezes com certo receio inicial porém sempre com uma degustação apreciadíssima por fim.

Além dessas frutas desconhecidas outras já a muito presentes nas casas das famílias, porém compradas, são fartamente encontradas, algumas delas são: acerola, laranja, tangerina, limão, pêra (que nunca havia comido diretamente do pé), figo, ameixa, pitanga, goiaba (encontrada fartamente), mamão, banana, maracujá, carambola, jaca, caju, jabuticaba, cana (apesar de não ser fruta), caqui, fruta-do-conde e romã.

Parece até brincadeira, mas a vida de roçador me ensina muito em diversas áreas, conhecimentos que com certeza levarei pelo resto da minha vida, sobre áreas inusitadas, como essa sobre frutas silvestres.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Roçadores de Aço!



Quando comecei a trabalhar como roçador descobri que existem dois tipos de cansaço: um físico e um mental. E que ambos não se relacionam, pelo menos comigo.

Num dia de sol quente, escaldante, em que trabalhamos numa região com morros, subidas e descidas com mato pesado o que significa um esforço muito grande com os braços, todo esse esforço se convertendo em verdadeiras cachoeiras de suor. Nesses dias há momentos onde me vejo diante de meus limites, onde às vezes sinto que não conseguirei dar mais nenhum passo devido ao cansaço extremo. Nesses dias assim que terminamos nossa labuta penso que chegarei em casa e desmaiarei de cansaço.

E é justamente nesses dias que constato a afirmação por mim citada no início desse texto, pois no momento em que tomo uma ducha, ali mesmo no vestiário da empresa, me sinto revigorado, é como se minhas energias fossem recarregadas devido ao refrescante toque da água em meu corpo, é como se junto da sujeira acumulada durante a manhã fosse, ralo abaixo, também toda fadiga, todo mal estar.

Menos de duas horas depois de uma manhã extenuante como a descrita, já estou enfiado em meus livros e fotocópias, ou então digitando algum trabalho ou atividade para a faculdade que faço logo mais a noite. Eu não sou o único a ter outra atividade além do trabalho, só na minha equipe outros três fazem faculdade, outros estão completando o ensino básico e têm mais aqueles que exercem outra profissão. Todos mesmo cansados aguentam firmes o restante do dia, até o momento em que capotam na cama, rumo a um novo amanhecer.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Benfeitores


Ser roçador tem seus altos e baixos, suas coisas boas e ruins, nem só de desgraça vive um roçador. Uma dessas coisas boas acontece quando trabalhamos em áreas de lazer como praças, campos de futebol, áreas verdes, locais onde o mato estava tomando conta e efetivamente se fazia necessário uma limpeza. Nessas horas tenho a sensação de que realmente meu trabalho hoje fez a diferença, não foi apenas um joguete político, nem uma troca de favores, ou então favorecimento de bairros ricos, em detrimento dos pobres.

É muito bom chegar a um local, como uma praça, que está tomada pelo mato, e no final do expediente ver aquele mesmo local que estava a poucas horas repleto de mato, agora pronto para a utilização da população, e mais especificamente utilização das crianças. Dá uma sensação boa, de dever cumprido, de que hoje eu fiz minha contribuição para o funcionamento harmonioso da sociedade. De que hoje uma criança vai jogar bola nesse campo, e que ela irá ser feliz da maneira pura como as crianças são, porque eu fiz a minha parte. Pode até parecer um pouco de exagero da minha parte, talvez uma idealização, ou então uma supervalorização de um insignificante trabalho, mas é o que eu sinto nesses momentos.

Sei que outras profissões também despertam essa sensação boa de dever cumprido, mas acho que de maneira tão direta são poucas. É muito bom ver o olhar de desconfiado dos moradores do bairro quando chegamos, e após o trabalho feito ver esse olhar se transformar num de agradecimento. É recompensadora a gratidão das pessoas, elas nos vêem todos sujos de mato, suados, cansados, sabem que não é fácil nosso trabalho, mas sabem que ele é necessário. De vez em quando recebemos elogios e palavras de agradecimentos, que costumeiramente vem acompanhado de um copo e de uma boa garrafa de água gelada. Merecido prêmio!

Ser roçador não é fácil, mas tem seu lado bom.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dias de chuva


A maioria das pessoas não gosta de dias de chuva, acham um dia chato, tedioso, de difícil locomoção, um dia incômodo. Mas na vida de um roçador a coisa que ele mais gosta é justamente um dia de chuva, não estou falando dessas chuvinhas que vai-e-vem, estou me referindo aquele pé d'água que dura pelos menos todo o período de trabalho. Pode parecer estranho o que estou dizendo, mas existe um fato que faz toda a diferença para essa nossa preferência pela chuva, simplesmente por que não se trabalha debaixo de chuva.

A regra é essa "na chuva não se trabalha", não sei bem ao certo o por que mas imagino que tenha a ver com a roçadeira não poder molhar e também com o fato de ser difícil ver algo com a viseira debaixo de chuva. Mas independente do motivo, choveu parou, ou então nem começa. Talvez possa até parecer uma vida boa essa vida de roçador que não trabalha na chuva, mas lembre-se há muito mais dias de sol do que de chuva. Nunca calculei uma média, mas imagino que a cada semestre nós ficamos uns quatro a cinco dias parados por causa da chuva, ou seja, são poucos.

Eu vejo esses dias de chuva como um presente divino, é como se Deus estivesse ele mesmo, nos dando uma folguinha, um dia para relaxar, dormir, jogar um dominó, ler, escutar música e bater um papo com os companheiros. Às vezes acontece de chover dois, até três dias direto e nesse momento começa a ficar um pouco chato essa coisa de não trabalhar, começa a dar uma espécie de saudade da função. É como se essa folga estivesse passando do ponto e o tédio de ficar parado seis horas começa a ficar mais forte.

Nesses meus quase dois anos de roçador nunca aconteceu de durar mais de três dias seguidos de chuva, e assim que o sol volta a brilhar, o zumbido da roçadeira também volta a soar, e logo-logo já estaremos ansiosos aguardando outro dia de chuva.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EPI


Se você não for da área de segurança de trabalho ou então alguém que trabalhe com EPIs muito provavelmente não deve fazer idéia do que se trata. EPI significa "Equipamentos de Proteção Individual", ou seja, são equipamentos essenciais para a segurança do trabalhador que exerce alguma atividade de risco, eles servem para proteger partes mais expostas, evitando acidentes cotidianos.

Na atividade de roçagem os equipamentos básicos/obrigatórios e portanto fornecidos pela empresa são: caneleira, viseira, protetor auricular e protetor solar. Além desses considerados obrigatórios existem alguns roçadores que também utilizam o avental, óculos próprio para trabalhar com roçadeira e luvas.

Basicamente as caneleiras servem para proteger as canelas de objetos lançados pela forte rotação seja do nylon, seja da navalha, a mais utilizada é feita de um tipo de courino, mas também existe uma mais antiga feita de fibra. Vez por outra eu sinto impactos de pedras ou então retiro pedaços de ferro fincados, e nessas horas eu vejo sua importância. A viseira apesar de ser muito hostilizada pela incomoda sensação de abafado é o EPI que considero mais importante pois protege o rosto e principalmente os olhos de qualquer objeto, são muitas as histórias de pessoas que perderam a visão trabalhando sem ela. O protetor auricular protege do ruído da máquina, já o protetor solar creio que todo mundo conhece, ele é essencial uma vez que nosso trabalho se dá ao ar livre, debaixo de muito sol. O avental serve mais para evitar sujar muito o uniforme, não protege muito pois é apenas uma lona fininha, na minha opinião ele serve mais para aumentar a sensação de calor. Os óculos são mais utilizados por aqueles que não gostam de usar a viseira, mas sabem do perigo de roçar sem nenhuma proteção nos olhos. As luvas são feitas de tecido e têm bolinhas de borracha na parte interna, são excelentes para trabalhos manuais, evitam calos, protegem de pedras e do contato direto com qualquer material. (O óculos e as luvas não são fornecidas pela empresa.)

Tento sempre checar as condições dos meus equipamentos e trocar quando necessário. Dos EPIs mencionados o único que não faço uso são os óculos, isso porque eu sempre utilizo a viseira.

Munidos de todos esses equipamentos estamos como verdadeiros cavaleiros de armadura, prontos para a guerra cotidiana contra o mato.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Roçadores equilibristas - Barrancos


Já mencionei outras vezes sobre a árdua tarefa de roçar num barranco. Mas já que esse fato significa um momento marcante da vida de um roçador ele merece uma abordagem mais específica.

Imaginem ter de carregar uma máquina de pelo menos uns sete quilos durante umas quatro, cinco horas debaixo de sol. Imaginem ainda que essa máquina faça um tremendo barulho, bem alto e contínuo. E além de barulho ela tenha uma lâmina afiada que quando se encosta em algo ela lhe dê um tranco fazendo com que perca o equilíbrio. Agora imaginem tudo isso com você estando numa área inclinada com três a cinco metros de altura (mais às vezes) tendo de se equilibrar e ainda por cima se movimentando.

Isso é extremamente difícil, eu estou trabalhando como roçador já faz mais de um ano e quando temos de roçar certos barrancos eu sempre me atrapalho todo. Escorrego, me desequilibro, não corto direito; outros companheiros tem uma tremenda prática e se movimentam num barranco com extrema facilidade. Alguns por outro lado mesmo tendo anos de experiência fazem de tudo para escapar de roçar nos barrancos.

Num dia de serviço numa rua ou em algum terreno plano a regra é de sempre manter uma boa distância entre os roçadores, cerca de uns vinte metros de cada um. Porém quando se trata de um barranco de difícil roçagem a coisa muda um pouco. Como esses locais são de difícil locomoção seria desumano deixar vinte metros de barranco para apenas um homem, por isso num barranco essa distância diminui consideravelmente. É muita falta de companheirismo deixar um colega seu se desgastando sozinho.

Roçar me ensinou muito sobre companheirismo, sobre ajudar os outros, sobre união. Qualidades essas que fazem um bom roçador, no barranco ou fora dele.