quarta-feira, 28 de abril de 2010

Micro Ônibus 509



A principal utilidade designada a um ônibus é certamente o transporte, seja de pessoas ou de objetos, ele deveria servir meramente como um meio de transporte, algo que "leve daqui pra lá", ou "de lá pra cá". Porém nessa minha experiência como roçador posso garantir que, pelo menos em nosso caso, essa relação de utilidade com o nosso transporte tem outros parâmetros à serem medidos.

Nossa cidade apesar de não ser uma grande metrópole, se estende por aproximadamente 433km², ou seja, uma distância considerável. Sem o auxílio de um transporte seria impossível combater o mato de maneira eficiente, e é aí que entra em cena o nosso Micro Ônibus 509, que acoplado de um reboque e "pilotado" por um motorista, nos leva por toda a extensão dessa ilha e continente.

Mas como foi dito no início, nosso ônibus têm outras utilidades, uma delas é o conforto proporcionado por suas poltronas encapadas com um tipo de courino, transformando-a em um excelente descanso depois de uma manhã de trabalho extenuante. Não é raro na viagem de volta alguns colegas, inclusive eu, cochilarem ali sentados. É onde também deixamos nossas mochilas e bolsas, contendo nossos pertences e nosso café.

Nos dias de chuva ele se torna nossa fortaleza impenetrável, é ali que nos mantemos secos e protegidos da chuva e do vento, e onde, em decorrência da chuva, podemos bater um papo, discutindo política, futebol, rumos da empresa, e também jogar um dominó, ler e ouvir música. Nos intervalos do trabalho ele se torna refeitório, um lugar onde podemos fazer nosso lanche de maneira sossegada e onde damos uma descansada da máquina.

Pode até parecer exagero mais o nosso ônibus funciona como um segundo lar, nele passamos uma grande parte do nosso dia, e como ninguém gosta de uma casa suja temos extrema preocupação com a limpeza e organização, afinal o ônibus acaba se configurando uma ferramenta de trabalho, e quanto melhor cuidada melhor será o seu funcionamento e consequentemente melhor será a execução do trabalho. Sujar o ônibus é fácil, trabalhamos cortando mato, e entrar sujo de capim, ou então, com os pés cheios de terra acaba ocasionando leves broncas. Como toque final do ônibus ele tem seus corredores e sua entrada forrada com carpetes, encontrados por nós mesmos, o que gera mais ainda essa sensação de conforto dos que nele transitam indo e vindo da sede da empresa, em nossa labuta diária.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Direto da Cidade"



Muitas vezes quando andamos pelas ruas e nos deparamos com diversos tipos de plantas: árvores, arbustos, trepadeiras, etc, nem passa pelos nossos pensamentos que nem sempre o que está plantado na rua, em áreas verdes, praças e mesmo terrenos sem nada, sejam plantas de frutos deliciosos e desconhecidos pela maioria das pessoas. Trabalhar como roçador fez com que me aproxima-se em demasiado desse tipo de conhecimento sobre as plantas. Muitos de meus companheiros mais velhos conhecem frutas que nem sequer passava pela minha cabeça serem comestíveis. Sem contar outros tipos de ervas que podem ser utilizadas na cura de inúmeras enfermidades.

Numa rápida lista de frutas desconhecidas poderia citar: gramichama/grumichumi, angá/ingá, morango-silvestre/ morango-do-mato, amêndoa, cabeludinha/amarelinha, araçá, gabiroba/guabiroba, butiá, ticum/tucum, siriguela, garrafinha, pepino-do-mato e maracujá-roxo. Devido às diferentes nomenclaturas encontradas, achei melhor apresentar ambos os nomes apresentados à mim.

Essas frutas acabam não sendo conhecidas pela maioria das pessoas, que consomem apenas o que compram em feiras ou então em Diretos do Campo, porém eu confirmo e garanto que todas têm seu sabor e características únicas, que todas as frutas citadas foram encontradas nas áreas do expediente de serviço e que foram saboreadas por mim, as vezes com certo receio inicial porém sempre com uma degustação apreciadíssima por fim.

Além dessas frutas desconhecidas outras já a muito presentes nas casas das famílias, porém compradas, são fartamente encontradas, algumas delas são: acerola, laranja, tangerina, limão, pêra (que nunca havia comido diretamente do pé), figo, ameixa, pitanga, goiaba (encontrada fartamente), mamão, banana, maracujá, carambola, jaca, caju, jabuticaba, cana (apesar de não ser fruta), caqui, fruta-do-conde e romã.

Parece até brincadeira, mas a vida de roçador me ensina muito em diversas áreas, conhecimentos que com certeza levarei pelo resto da minha vida, sobre áreas inusitadas, como essa sobre frutas silvestres.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Roçadores de Aço!



Quando comecei a trabalhar como roçador descobri que existem dois tipos de cansaço: um físico e um mental. E que ambos não se relacionam, pelo menos comigo.

Num dia de sol quente, escaldante, em que trabalhamos numa região com morros, subidas e descidas com mato pesado o que significa um esforço muito grande com os braços, todo esse esforço se convertendo em verdadeiras cachoeiras de suor. Nesses dias há momentos onde me vejo diante de meus limites, onde às vezes sinto que não conseguirei dar mais nenhum passo devido ao cansaço extremo. Nesses dias assim que terminamos nossa labuta penso que chegarei em casa e desmaiarei de cansaço.

E é justamente nesses dias que constato a afirmação por mim citada no início desse texto, pois no momento em que tomo uma ducha, ali mesmo no vestiário da empresa, me sinto revigorado, é como se minhas energias fossem recarregadas devido ao refrescante toque da água em meu corpo, é como se junto da sujeira acumulada durante a manhã fosse, ralo abaixo, também toda fadiga, todo mal estar.

Menos de duas horas depois de uma manhã extenuante como a descrita, já estou enfiado em meus livros e fotocópias, ou então digitando algum trabalho ou atividade para a faculdade que faço logo mais a noite. Eu não sou o único a ter outra atividade além do trabalho, só na minha equipe outros três fazem faculdade, outros estão completando o ensino básico e têm mais aqueles que exercem outra profissão. Todos mesmo cansados aguentam firmes o restante do dia, até o momento em que capotam na cama, rumo a um novo amanhecer.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Benfeitores


Ser roçador tem seus altos e baixos, suas coisas boas e ruins, nem só de desgraça vive um roçador. Uma dessas coisas boas acontece quando trabalhamos em áreas de lazer como praças, campos de futebol, áreas verdes, locais onde o mato estava tomando conta e efetivamente se fazia necessário uma limpeza. Nessas horas tenho a sensação de que realmente meu trabalho hoje fez a diferença, não foi apenas um joguete político, nem uma troca de favores, ou então favorecimento de bairros ricos, em detrimento dos pobres.

É muito bom chegar a um local, como uma praça, que está tomada pelo mato, e no final do expediente ver aquele mesmo local que estava a poucas horas repleto de mato, agora pronto para a utilização da população, e mais especificamente utilização das crianças. Dá uma sensação boa, de dever cumprido, de que hoje eu fiz minha contribuição para o funcionamento harmonioso da sociedade. De que hoje uma criança vai jogar bola nesse campo, e que ela irá ser feliz da maneira pura como as crianças são, porque eu fiz a minha parte. Pode até parecer um pouco de exagero da minha parte, talvez uma idealização, ou então uma supervalorização de um insignificante trabalho, mas é o que eu sinto nesses momentos.

Sei que outras profissões também despertam essa sensação boa de dever cumprido, mas acho que de maneira tão direta são poucas. É muito bom ver o olhar de desconfiado dos moradores do bairro quando chegamos, e após o trabalho feito ver esse olhar se transformar num de agradecimento. É recompensadora a gratidão das pessoas, elas nos vêem todos sujos de mato, suados, cansados, sabem que não é fácil nosso trabalho, mas sabem que ele é necessário. De vez em quando recebemos elogios e palavras de agradecimentos, que costumeiramente vem acompanhado de um copo e de uma boa garrafa de água gelada. Merecido prêmio!

Ser roçador não é fácil, mas tem seu lado bom.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dias de chuva


A maioria das pessoas não gosta de dias de chuva, acham um dia chato, tedioso, de difícil locomoção, um dia incômodo. Mas na vida de um roçador a coisa que ele mais gosta é justamente um dia de chuva, não estou falando dessas chuvinhas que vai-e-vem, estou me referindo aquele pé d'água que dura pelos menos todo o período de trabalho. Pode parecer estranho o que estou dizendo, mas existe um fato que faz toda a diferença para essa nossa preferência pela chuva, simplesmente por que não se trabalha debaixo de chuva.

A regra é essa "na chuva não se trabalha", não sei bem ao certo o por que mas imagino que tenha a ver com a roçadeira não poder molhar e também com o fato de ser difícil ver algo com a viseira debaixo de chuva. Mas independente do motivo, choveu parou, ou então nem começa. Talvez possa até parecer uma vida boa essa vida de roçador que não trabalha na chuva, mas lembre-se há muito mais dias de sol do que de chuva. Nunca calculei uma média, mas imagino que a cada semestre nós ficamos uns quatro a cinco dias parados por causa da chuva, ou seja, são poucos.

Eu vejo esses dias de chuva como um presente divino, é como se Deus estivesse ele mesmo, nos dando uma folguinha, um dia para relaxar, dormir, jogar um dominó, ler, escutar música e bater um papo com os companheiros. Às vezes acontece de chover dois, até três dias direto e nesse momento começa a ficar um pouco chato essa coisa de não trabalhar, começa a dar uma espécie de saudade da função. É como se essa folga estivesse passando do ponto e o tédio de ficar parado seis horas começa a ficar mais forte.

Nesses meus quase dois anos de roçador nunca aconteceu de durar mais de três dias seguidos de chuva, e assim que o sol volta a brilhar, o zumbido da roçadeira também volta a soar, e logo-logo já estaremos ansiosos aguardando outro dia de chuva.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EPI


Se você não for da área de segurança de trabalho ou então alguém que trabalhe com EPIs muito provavelmente não deve fazer idéia do que se trata. EPI significa "Equipamentos de Proteção Individual", ou seja, são equipamentos essenciais para a segurança do trabalhador que exerce alguma atividade de risco, eles servem para proteger partes mais expostas, evitando acidentes cotidianos.

Na atividade de roçagem os equipamentos básicos/obrigatórios e portanto fornecidos pela empresa são: caneleira, viseira, protetor auricular e protetor solar. Além desses considerados obrigatórios existem alguns roçadores que também utilizam o avental, óculos próprio para trabalhar com roçadeira e luvas.

Basicamente as caneleiras servem para proteger as canelas de objetos lançados pela forte rotação seja do nylon, seja da navalha, a mais utilizada é feita de um tipo de courino, mas também existe uma mais antiga feita de fibra. Vez por outra eu sinto impactos de pedras ou então retiro pedaços de ferro fincados, e nessas horas eu vejo sua importância. A viseira apesar de ser muito hostilizada pela incomoda sensação de abafado é o EPI que considero mais importante pois protege o rosto e principalmente os olhos de qualquer objeto, são muitas as histórias de pessoas que perderam a visão trabalhando sem ela. O protetor auricular protege do ruído da máquina, já o protetor solar creio que todo mundo conhece, ele é essencial uma vez que nosso trabalho se dá ao ar livre, debaixo de muito sol. O avental serve mais para evitar sujar muito o uniforme, não protege muito pois é apenas uma lona fininha, na minha opinião ele serve mais para aumentar a sensação de calor. Os óculos são mais utilizados por aqueles que não gostam de usar a viseira, mas sabem do perigo de roçar sem nenhuma proteção nos olhos. As luvas são feitas de tecido e têm bolinhas de borracha na parte interna, são excelentes para trabalhos manuais, evitam calos, protegem de pedras e do contato direto com qualquer material. (O óculos e as luvas não são fornecidas pela empresa.)

Tento sempre checar as condições dos meus equipamentos e trocar quando necessário. Dos EPIs mencionados o único que não faço uso são os óculos, isso porque eu sempre utilizo a viseira.

Munidos de todos esses equipamentos estamos como verdadeiros cavaleiros de armadura, prontos para a guerra cotidiana contra o mato.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Roçadores equilibristas - Barrancos


Já mencionei outras vezes sobre a árdua tarefa de roçar num barranco. Mas já que esse fato significa um momento marcante da vida de um roçador ele merece uma abordagem mais específica.

Imaginem ter de carregar uma máquina de pelo menos uns sete quilos durante umas quatro, cinco horas debaixo de sol. Imaginem ainda que essa máquina faça um tremendo barulho, bem alto e contínuo. E além de barulho ela tenha uma lâmina afiada que quando se encosta em algo ela lhe dê um tranco fazendo com que perca o equilíbrio. Agora imaginem tudo isso com você estando numa área inclinada com três a cinco metros de altura (mais às vezes) tendo de se equilibrar e ainda por cima se movimentando.

Isso é extremamente difícil, eu estou trabalhando como roçador já faz mais de um ano e quando temos de roçar certos barrancos eu sempre me atrapalho todo. Escorrego, me desequilibro, não corto direito; outros companheiros tem uma tremenda prática e se movimentam num barranco com extrema facilidade. Alguns por outro lado mesmo tendo anos de experiência fazem de tudo para escapar de roçar nos barrancos.

Num dia de serviço numa rua ou em algum terreno plano a regra é de sempre manter uma boa distância entre os roçadores, cerca de uns vinte metros de cada um. Porém quando se trata de um barranco de difícil roçagem a coisa muda um pouco. Como esses locais são de difícil locomoção seria desumano deixar vinte metros de barranco para apenas um homem, por isso num barranco essa distância diminui consideravelmente. É muita falta de companheirismo deixar um colega seu se desgastando sozinho.

Roçar me ensinou muito sobre companheirismo, sobre ajudar os outros, sobre união. Qualidades essas que fazem um bom roçador, no barranco ou fora dele.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Visões do paraíso


Apesar dos perigos, problemas e do cansaço enfrentados no dia-a-dia, existe um lado da vida de roçador que eu considero um grande privilégio. Poucas são as profissões que possibilitam o que cortar o mato por toda essa cidade proporciona. Nós roçadores temos diariamente um ponto de vista da cidade que poucos têm, uma vez que trabalhamos muitas vezes em lugares que poucas pessoas frequentam, temos o privilégio de admirar visuais belíssimos dessa linda cidade.

Muitas vezes quando estou trabalhando em uma área acabo sem perceber, me concentrando tanto no serviço que me esqueço de dar uma olhada na paisagem ao meu redor, o ato de roçar requer certa concentração mas em momentos de descanso, ao parar um pouco a máquina, eu vejo lindas paisagens: montanhas verdes emolduradas com o céu azul, um imenso mar esmeralda, um céu arrebatador com espessas nuvens intimidantes, isso sem contar as lagoas, praias, cachoeiras, trilhas uma mais linda que a outra. Até mesmo em dias que o tempo não está ensolarado posso ver o quanto é bela nossa cidade e como a natureza nela nos mostra toda a sua exuberância.

Com esses pontos de visão incomuns pude ver paisagens que apesar da aparente falta de importância são tão lindas quanto qualquer cartão postal mais conhecido. Mas no fim acho que desse jeito é melhor, afinal esses locais ficam apenas para nós, os privilegiados roçadores.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Acidente de trabalho!!! (2ª parte)


Dentro do ônibus já a caminho começo a pensar sobre o ocorrido. Justamente no final do expediente de trabalho, já era umas 11h30min, de uma sexta-feira. Porque comigo? E logo eu que não tenho o costume de querer ser rápido, nem de acelerar muito a máquina. Nessa parte começo a sentir um pouco de dor, novamente sinto aquele frio na barriga, afinal pode ter sido sério, pode haver algum objeto estranho dentro de mim!

Nessa parte minha experiência passa de um momento de dor e medo, para um outro de indignação. Como disse acima, já era final de expediente, e quando cheguei à empresa o médico já estava de saída, ao me ver dá apenas uma olhadela no ferimento, todo sujo, cheio de sangue, não dava para ver nada, e diz que não foi grave apenas superficial. A enfermeira me manda tomar um banho e voltar para um curativo. Ao retornar após o banho o discurso já muda, a enfermeira que havia concordado com o médico agora diz que será necessário levar pontos.

Para concluir a história, foi aberta uma CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho) e consultei no Hospital Florianópolis onde me foi dado sábado, domingo e segunda-feira de folga (convém lembrar que final de semana não se trabalha). E com relação ao ferimento nada de grave, não havia pedaços de ferro nem outras complicações.

Todo esse ocorrido me abriu ainda mais a visão do que é realmente ser um roçador, em vários momentos pensei em pedir demissão em não querer mais passar risco semelhante. Mas preciso do dinheiro e o horário de trabalho é excelente para estudar.

Acho que uma experiência dessa deixa a pessoa mais forte, também mais cuidadosa, mas mais do que isso me deixou consciente do real perigo de ser um roçador e uma bela cicatriz.

Acidente de trabalho!!! (1ª parte)


Certas coisas parecem tão distantes da gente que por mais que escutemos histórias sobre elas nunca estamos preparados quando elas realmente acontecem. Nesta sexta-feira eu sofri um acidente de trabalho! O susto, o medo, o sangue, a vulnerabilidade perante uma situação que todos os roçadores correm perigo.

Um tranco na lâmina e um impacto como de um soco, que me deixa sem ar por alguns instantes, em seguida a constatação de rasgos no meu uniforme que vão se avermelhando com o meu próprio sangue. Um tremendo frio na barriga, me ajoelho no local buscando ar, desligo a máquina. Com medo subo um pouco minha camisa e constato o ferimento do lado direito de meu abdome já com certo volume de sangue, não sinto a dor do corte, apenas uma forte pulsação, não sei se de nervosismo ou se devido ao corte. Parece sério, não sei, está cheio de sangue, não deve ser nada, ou será que algum pedaço de ferro ainda está lá dentro.

Após esses meus sentimentos meus colegas chegam para me ajudar, me carregam para outro lugar, em meio a brincadeiras, ninguém sabe realmente se foi sério ou não. Impactos e pequenos cortes são frequentes no dia-a-dia do trabalho, mas esse era um pouco mais sério que de costume.

O encarregado chega e vê o que se passou, preocupado me manda no mesmo momento para o ônibus e diz para o motorista me levar para a empresa, para o setor médico... (continua)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Uma "dança"


Parece muito simples trabalhar com uma roçadeira, aparentemente basta saber ligar a máquina e saber apertar um gatilho. Mas nem tão simples assim se configura o ato de roçar. Estou falando propriamente de saber, de ter os conhecimentos necessários da correta utilização e manuseio de uma máquina que pode muito bem se transformar em arma letal. Afinal usamos lâminas muitíssimo afiadas, que giram em alta velocidade, decepar um membro não seria difícil com tamanha força destrutiva. As roçadeiras que trabalhamos são extremamente poderosas e perigosas.

Cada roçador tem seu estilo particular de roçagem, suas manias, suas preferências, cada roçadeira é exclusiva e sendo assim seu ajuste também é igualmente exclusivo com os gostos do roçador que a utiliza. Uns roçam mais rápido, porém com uma amplitude do movimento menor, outros são mais cuidadosos e investem num acabamento mais refinado. Porém a palavra que melhor pode definir essa relação entre roçador e sua máquina no serviço diário é "dança".

Roçar pra mim se configura numa espécie de "dança", um vai-e-vem sincronizado onde seus passos são milimetricamente movimentados seguindo as necessidades do corte, junto na medida certa da aceleração do motor. Essa dança que só é interrompida por dois grandes inimigos do ato de roçar: pedras e pedaço de metal. Um pequeno ferro pode causar tamanho estrago na sincronia dessa "dança", fazendo com que sejam lançando estilhaços perigosos para várias direções. Mas com o devido cuidado esse tipo de risco pode ser minimizado, uma vez que a dança nunca pode parar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Via - Expressa


Toda profissão tem aqueles momentos mais difíceis, aquelas atividades que sempre são as mais custosas de se fazer, aquelas que você sempre torce para demorar o máximo possível para ter de fazê-las. Mas você sabe que um dia ela terá de ser feita, um dia ela chegará. Na vida de roçador essa parte dolorosa do trabalho se chama Via - Expressa.

Basicamente a Via - Expressa que me refiro é a principal via de acesso a cidade. Até aí tudo bem, a questão é que ao redor dessa estrada, nas laterais das pistas é só mato, e não é segredo pra ninguém que cortar mato é justamente a nossa função.

Esse serviço se transforma no mais difícil da vida de roçador no momento em que ela sintetiza quase todos os piores ambientes de trabalho existentes, isso quer dizer que ela é composta de: 1)mato pesado; 2)barrancos íngremes para roçar; 3)carros em alta velocidade; 4)valas de esgoto; 5)perto da empresa (isso significa que rapidamente chegamos lá); 6)céu aberto, ou seja, muito sol na cabeça; 7) e o pior, pedras e ferros escondidos no mato. Num dia de verão com sol forte e pouco vento, trabalhar com a máquina subindo e descendo aqueles barrancos não é nada fácil, é impossível sair de lá sem estar ensopado de suor.
Existem mais ambientes ruins, mais poucos com tanta coisa ruim junto.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Classe consciente, classe lutadora


Muitas pessoas imaginam que os trabalhadores da limpeza pública são pessoas de baixo nível intelectual, higiênico, e moral. Talvez antes de começar a minha história como roçador eu também pensasse assim, é difícil desvincular de nossas idéias esse estereótipo que permeia toda a sociedade.

Porém muito se engana quem assim pensa, muito distante da realidade essa idéia de inferioridade está. Lógico que nem todos podem ser desvinculados dessa idéia, efetivamente alguns membros do grupo podem ser enquadrados no estereótipo acima citado, porém convém lembrar que em qualquer classe trabalhadora existem pessoas que a representem de maneira negativa: existem médicos estupradores, advogados enganadores, engenheiros de fachada, todos dando maus exemplos de suas respectivas áreas profissionais, mas nem por isso esses indivíduos representam a grande maioria de seus colegas de profissão.

Hoje houve uma assembléia da classe trabalhadora e sempre nessas assembléias fico atento aos discursos, aos temas abordados, mas principalmente aos indivíduos. É incrível como sempre me surpreendo com a inteligência e a perspicácia dos trabalhadores, como certas pessoas sem instrução acadêmica, sem cursos de oratória, sem o que comumente se acha necessário para pronunciar-se diante de um grupo, consegue a sua maneira construir um discurso permeado pelas suas experiências e pelas suas observações cotidianas, que sem a menor dúvida deixaria qualquer orador de "boca aberta". E mais do que falar bem, mostra em seu discurso total coerência, demonstra através de palavras simples um total engajamento na luta por melhores condições. Claro que nem todos têm esse grau de entendimento, talvez menos do que eu gostaria que fosse.
Mas dentro de minhas observações o mais interessante é a idade dos trabalhadores conscientes, me parece que a minha geração é mais acomodada, mais complacente com a realidade. Talvez somente com a experiência adquirida com os anos essa nova geração irá se engajar nessa luta. Pelo menos é o que eu espero... ou em que me forço a acreditar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um dia após o outro...


A função de roçador funciona como qualquer outra, como qualquer ramo de atividade remunerada que existe. Há uma necessidade, que no caso é limpar o mato de ruas, estradas, praças e terrenos (prefeitura), e essa função é exercida por mim e meus colegas mediante o pagamento de um salário. Em larga escala todo trabalho funciona basicamente dessa maneira.

E assim como todo trabalho, existem dias em que você acorda com uma disposição sem limites, parece que nada poderá te cansar. E em contrapartida no dia seguinte não queremos nem levantar da cama, passamos o dia todo nos arrastando. Esses dois momentos podem muito bem representar o que foi ontem e hoje para mim.

O mais interessante é que ontem estava quente, com um sol aberto, forte, tivemos de subir uma rua íngreme, o mato era um tanto quanto pesado, não muito, mas também não era uma grama. E no final do expediente eu estava novinho em folha, parecia que nem havia caminhado carregando uma máquina pesada por mais de cinco horas debaixo de sol. Em compensação hoje tudo foi difícil, desde acordar de manhã até guardar a máquina devolta ao reboque.

É como meus companheiros falam "É, não é fácil!" Mas a gente vai levando , assim mesmo, como todo trabalhador, com dias bons e dias ruins, um dia após o outro...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Segunda - Dia de folga!


Pode parecer um pouco estranho o título desta postagem "Segunda - Dia de folga", mas na vida de um roçador existem dois tipos de folga: 1º a folga convencional, ou seja, aquela que acontece nos finais de semana e feriados, dias que não temos qualquer ligação com o trabalho, dias para fazer o que quiser; 2º a folga da máquina (roçadeira), essa folga consiste basicamente num dia em que não se roça, ao invés disso sua função é ciscar o mato cortado pelos seus companheiros em pequenos montes.

Na verdade essa função de ciscar é algo mais simbólico. O que a pessoa que está de folga realmente faz é tentar ficar o máximo possível sem trabalhar muito, ou melhor, pelo menos tenta fazer isso. O serviço de roçagem cansa, e esses dias de descanso devem ser aproveitados ao máximo.

Os melhores dias para se folgar são a Quinta e a Sexta. São os últimos dias da semana (de trabalho) e uma folga nesses dias significa um descanso após três ou quatro dias de roçagem, e junto disso, uma sensação de proximidade do final de semana.

Não folguei nos melhores dias. Mas uma folga, é uma folga, nunca temos certeza de que amanhã a teremos, portanto não é aconselhável negar, qualquer que seja o dia.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Um vidro de carro a menos na terra


É interessante, nunca fazemos idéia do que de novo irá ocorrer em nosso dia. As vezes passamos semanas sem ao menos constatar nada de diferente na nossa rotina diária, não que todo dia seja idêntico ao outro, mas me refiro a situações que estréiam em nossas vidas e que se fazem perceber, ou melhor, que percebemos.

Hoje uma dessas coisas aconteceu comigo. Não é nada muito extraordinário, nem tão pouco exclusivo, na verdade é uma cituação que quase chega ao ponto de ser rotineira na vida de um roçador, mas que nunca havia acontecido comigo nesses um ano e quatro meses de trabalho.

Hoje eu quebrei um vidro de um carro. Foi tranquilo, a condutora do veículo não foi mal educada (o que de vez em quando acontece), não houve nada mais sério, ela parou o carro, foi chamado o encarregado (meu chefe), ele preencheu uma ficha do ocorrido e todo o dano será pago pela empresa.

Uma situação que não causou nenhum alarme, nenhum alarido. Uma ocorrência que provavelmente já veio a acontecer com a maioria de meus colegas de trabalho, mas que nunca acontecera antes comigo.

O mais interessante é que apesar dessa insignificância do fato, ele de alguma maneira me afetou, fiquei com medo de quebrar outro vidro, e em consequência disso tentei roçar o mínimo possível no restante do trabalho. Espero que tenha sido meu primeiro e último vidro quebrado (provavelmente não será).

Mas tirando esse acontecimento, não tenho do que reclamar da minha manhã de trabalho, afinal hoje é uma sexta-feira, e o retorno ao batente só ocorrerá daqui a dois dias.
Merecido descanso!

Minha Vida de Roçador - início


Há tempos que venho tendo vontade de me expressar, vontade de com a ajuda de alguma ferramenta exprimir e compartilhar minhas experiências atualmente vividas.

Sentia uma espécie de aflição por ter inúmeras situações vivenciadas que de algum modo podem e devem ser registradas. Se irá despertar interesse de alguém já é outra questão, mas o mais importante com o ínicio deste blog é justamente registrar, talvez somente para mim mesmo, uma parte da minha vida que tenho certeza deixará para sempre suas marcas incrustadas dentro de meu ser.

Minha Vida de Roçador não pretende ser nada além do que o título sugere. É apenas um "diário" que terá registrado certos acontecimentos que de alguma forma podem refletir essa jornada diária na vida de um trabalhador comum.


Meu nome é Cláudio e eu sou um roçador.